Há 5 anos, neste mesmo dia, dormi -- parte no chão, parte num banco frio -- no aeroporto de Schiphol, em Amesterdão. Curiosamente tinha deixado para trás um quarto de hotel em Utrecht: confortável, previamente reservado, previamente pago, com lençóis frescos e cobertores aconchegantes. E apesar de o regresso a casa estar marcado para o dia seguinte, havendo já bilhete de avião pago, dormi no aeroporto de modo a convencer a TAP de que realmente necessitava de um lugar num voo naquela manhã, que não queria saber do voo mais tarde, nem do dinheiro do bilhete que eles não me iriam restituir. Eu tinha de voltar. Queria estar onde eu pertencia, junto daqueles que me queriam. Uma noite mal dormida, 8h debaixo de um frio descomunal e €600,00 à frente, a maior companhia de linha aérea de Portugal estava convencida de que as minhas lágrimas eram verdadeiras, e estava a disposta a pôr-me em solo português o mais brevemente possível. Uma hospedeira chegou junto de mim, acarinhou-me o ombro para me despertar, e disse: «está na hora da sua partida». E eu vim. Deixei para trás os amigos com quem tinha viajado, e fiz o percurso sozinha. Talvez a palavra se tenha espalhado, pois só assim se justifica a contagiante simpatia com que fui brindada por toda a tripulação. Sem que o pedisse, ofereceram-me almofada e cobertor. «Está com um ar cansado», diziam. E eu mal esperava por chegar a casa. Cinco horas depois estava a abraçar a minha família. Estava a abraçar todos os membros que mais amo, excepto um. Ele estava num caixão aberto, com funeral adiado para aguardar o meu regresso, e à espera que eu o beijasse derradeiramente. Eu cheguei, abracei-o, beijei-o na testa, disse-lhe “obrigada”, limpei-lhe o rosto com as minhas lágrimas e tapei-o com uma espécie de véu branco. O caixão fechou-se. O seu corpo ficou debaixo de terra; mas a sua imagem, os seus ensinamentos, o seu amor incondicional, o seu carinho, as suas palavras de conforto, as suas mãos fortes, as suas unhas impecavelmente limpas, as bochechas continuamente perfumadas, a roupa perfeitamente asseada e sem vincos e as memórias de quase 3 décadas de convivência frequente, esses… esses ninguém mos tira. Se o Céu existe, não tenho dúvidas que é lá que estás, Vozinho, e isso inspira-me a ser melhor pessoa, para mais tarde vir a encontrar um espaço eterno ao teu lado.
5 years ago, on this same day, I slept -- partially on the floor, partially on a cold bench -- at Schiphol airport, in Amsterdam. Curiously I had left behind a hotel room in Utrecht: comfortable, previously booked, previously paid, with fresh sheets and comfy blankets. And despite having my return on next day’s agenda, even having the plane ticket paid, I’ve slept at the airport to convince TAP that I really needed a place in a flight on that morning, that I didn’t care about the later flight, nor the ticket money they would not reimburse me. I had to come back. I wanted to be where I belonged, together with the ones that wanted me. A bad night’s sleep, 8 hours under a huge cold and €600,00 later, the largest airline company in Portugal was convinced that my tears were real, and it was willing to put me on Portuguese soil as soon as possible. A hostess came near me, caressed my shoulder to wake me up, and said: «it’s time for you to go». And I came. I’ve left behind the friends with whom I’ve traveled, and I’ve done this journey alone. Maybe the word had been spread, because only this justifies the contagious friendliness with which I was offered by the whole crew. Without requesting it, they gave me a pillow and a blanket. «You look tired», they said. And I was hardly waiting to get home. Five hours later I was hugging my family. I was hugging all the relatives I love, except one. He was in and open casket, with a postponed funeral, waiting for my return, waiting for me to kiss him for the last time. I arrived, hugged him, kiss him on his forehead, said «thank you», cleaned his face with my tears and I covered him with a kind of a white veil. The coffin was closed. His body stayed beneath earth; but his image, his teachings, his unconditional love, his kindness, his words of comfort, his strong hands, his impeccably clean nails, his continuously fragrant cheeks, his clothes perfectly cleaned and without creases and the memories of almost three decades of frequently coexistence, those... those cannot be taken away from me. If Heaven really exists, I have no doubts that you’re there, Grandpa, and that inspires me to be a better person, for me to find later a timeless place next to you.
As memórias boas permanecem sempre connosco :)
ResponderEliminarIsso é verdade; com o tempo, são essas que ficam. :-)
EliminarUou... Lamento. É uma homenagem lindíssima! :)
ResponderEliminarObrigada. Infelizmente não à altura daquilo que ele foi como pessoa e como avô.
EliminarFaltam-me as palavras para comentar.
ResponderEliminarTambém tenho pessoas que amo muito, que partilham o mesmo céu.
Tenho de ser sincera contigo, puseste-me a chorar!
Beijinhos
Também não consegui evitar chorar enquanto escrevia...
EliminarÉ possível haver algo de maravilhoso mesmo nas horas mais crueis. Fizeste-o com este texto. São sentimentos, sensações e, sobretudo amor, que se revelaram sob forma de palavras: palavras bonitas; palavras certas.
ResponderEliminarAs palavras, essas, nunca ninguém mas vai tirar.
EliminarR: De vez em quando tiro às refeições mas sempre não! Acho exagerado tirar a tudo :)
ResponderEliminarEu fico sempre sempre palavras neste tipo de situações, talvez porque mais cedo ou mais tarde todos nós perdemos alguém querido e isso vai doer imenso.
ResponderEliminarÀs vezes penso que devíamos aprender a perder mais cedo. Porque quando perdemos já tarde -- e a perda deste meu avô foi a primeira -- não estamos habituados e é extremamente violento.
EliminarFizeste-me chorar. Infelizmente sei o que é essa dor. Força linda.
ResponderEliminarRevelas sensibilidade. Obrigada.
EliminarInfelizmente já tive essa mesma sensação muitas vezes...não pude deixar de me comover com o que li :')
ResponderEliminarUm grande beijinho,
All about Lady Things
Ainda bem que consegui transparecer a emoção...
EliminarTenho uma pessoa muito especial, o meu pai, que com toda a certeza esta no mesmo céu que o teu avó.
ResponderEliminarA dor da perda fica para sempre no nosso coração.
Força amiga!
Beijinhos
Uiii, um pai. Não quero imaginar o que isso possa doer.
EliminarGostei do teu texto. Infelizmente já perdi quase todas as pessoas importantes na minha vida, não acredito em Deus nem no Céu. Mas onde quer que elas estejam, que estejam em PAZ! pois sofreram muito nesta vida.
ResponderEliminarEu confesso que já tive mais fé do que tenho hoje. Por isso escrevi "se existe", porque não sei muito bem se isso é sequer possível.
EliminarDe certeza que onde quer que ele esteja, está muito orgulhoso de ti!
ResponderEliminarFizes-te uma bonita homenagem.
Bjxxx
Espero que sim, pois se havia alguém que eu não queria desiludir, era a ele.
EliminarÉ tão bom ler os teus textos.
ResponderEliminarEste, em particular, é muito especial. Permite-me recordar, de forma terna e eterna, duas das pessoas mais incríveis e mais importantes da minha vida: os meus avós.
bj, obrigada.
Os avôs e as avós não deviam ter prazo de validade tão curto depois de terem netos.
EliminarLindo! Cheio de emoção e muito bem escrito!
ResponderEliminarObrigada, Laura.
EliminarDeixaste-me arrepiada...para mais tendo um avô no hospital com problemas cardíacos:( Está ser difícil de ultrapassar...
ResponderEliminarCalma, B. Cérise. E quando o visitares, leva espírito positivo. As pessoas que estão nos hospitais acabam sempre influenciadas pelas energias do que os rodeiam. :-)
EliminarComecei a arrepiar-me a partir dos abraços à tua familia, fiquei com os olhos repletos de lágrimas quando falaste no teu avô.
ResponderEliminarEu já perdi 1 avó e 1 avô, e sei bem a dor que é.
Apesar de chorar sempre que penso neles, obrigado por os fazeres "renascer" na minha mente com este texto!
Muita força, e enquanto estiverem vivos na tua mente, nunca morrerão verdadeiramente!
Lá isso é verdade, eles manter-se-ão vivos até as nossas memórias se extinguirem.
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