23 de abril de 2013

Carta aos meus 15 anos | Letter to my 15 years-old

Olá, R. de 15 anos.

Quis escrever-te, sobretudo por ter imensas saudades tuas. Tu não me conheces, e se te cruzasses comigo na rua, até nem te irias identificar. À parte dos caracóis e do mau feitio, guardo muito pouco de ti. Não porque não te respeite; mas porque já não sou feita da matéria dos sonhos que tão bem te constitui.

Mantém-te segura nesse liceu para onde acabaste de te transferir. Os outros alunos não vão ser imediatamente simpáticos contigo, pois vens de uma cidade sobre a qual eles não querem sequer falar. Não te preocupes se tiveres de passar os intervalos do primeiro período sempre sozinha. Os teus colegas vão estar de olho em ti, e um dia um vai convidar-te a juntares-te ao grupo dele. Dentro de pouco tempo farás amizade com montes de gente gira, e passarás a ser convidada para as suas festas. Dentro de dois anos serás vice-presidente da AE, e serás um peão importante na dinamização dos alunos no contexto escolar. Irás sempre orgulhar-te disso.

Vais começar a embeiçar-te por rapazes de estilo grunge e com o cabelo mais comprido e mais cuidado que o teu. Não tem mal nenhum. Nessa idade tudo é permitido, e algumas dessas pessoas não são realmente tão indolentes como parecem.

Sabes o P., aquele rapaz que tu conheceste há dias naquele bar onde gostas de ir à Sexta-feira à noite? Ele vai tornar-se o teu melhor amigo. Não agora, mas dentro de 5 anos não darás um passo na tua vida sem o consultar. Vais construir com ele uma cumplicidade de que poucas pessoas podem gabar-se de conhecer. Vais ter os momentos mais alucinantes e alucinados com ele. Vais ligar-lhe, ocasionalmente, de madrugada para ele te ir oferecer o ombro para chorar. Vais pedir-lhe conselhos de rapazes, e vais sempre discutir por ele não te oferecer as respostas que queres ouvir. O mesmo acontecerá ao contrário. Entre jogos de detectives e muitas conversas sobre assuntos sérios -- e outros que nem tanto -- serão felizes, e sem grandes exigências mútuas. Infelizmente isso não vai durar para sempre, e um aneurisma na melhor fase do P. levará a melhor sobre a sua vida e sobre a vossa amizade. Não saberás lidar com isso. Mas não te preocupes: o P. vai deixar-te alguém, e virás a acreditar que algures num local não-terreno, ele continuará a preservar a tua felicidade. De que é que estou a falar? De um rapaz de olhos verdes, giro, que ele te vai apresentar. Esse rapaz não te vai ligar nenhuma inicialmente, e não será senão 2 após a morte do P. que se vão reencontrar e apaixonar-se. Mais tarde ele pedir-te-á em casamento.

Não acreditas? Eu sei que não te imaginas obediente aos cânones sociais, mas tu vais casar. As pessoas não se vão acreditar quando lhes deres a boa nova, e algumas farão questão de estar no teu casamento só para ver com os seus próprios olhos algo em que ninguém acreditava ser possível. Mas calma: as coisas não são assim fáceis. Antes disto haverá uma altura em que vais estar de costas voltadas ao amor. Porém não te preocupes: como a tua mãe sempre diz, o que for para ti, a ti virá.

Vais entrar na faculdade e no curso que queres. Dois anos depois ver-te-ás forçada a transferir-te para outra universidade, numa cidade mais desenvolvida, só para que possas arranjar trabalho para continuares a pagar os estudos. Vais entusiasmar-te com o dinheiro no final do mês e vais relegar o curso para segundo plano. Durante uns tempos manter-te-ás confusa, questionarás todas as tuas decisões e aprenderás cedo demais que no mundo do trabalho só sobrevivem os mais fortes. Não sobreviverás na primeira vez, mas ganharás calo para enfrentares outros obstáculos. Mesmo que não o saibas imediatamente, todos os momentos menos bons farão parte das boas lições de vida. Goza-as.

Eu sei que hoje proclamas a toda a gente que nasceste para seres tia e que não te imaginas como mãe. A profecia vai cumprir-se: nascerá a tua sobrinha e amá-la-ás imenso. Mas um dia vais desejar que ela tivesse nascido das tuas vísceras. Decidirás que estás pronta, e que queres afinal ser mãe. As coisas não vão correr logo bem nesta matéria, e vais culpar-te. Tenta erguer-te do melhor modo possível. Espero que consigas fazer um melhor trabalho nesta área do que eu. Gostava de te poder dizer mais coisas, mas repara, apesar de mais velha, eu ainda não sei.

Não te detenhas nesses pequeninos “quês” que te roubam o sorriso. Não há nada melhor, do que tua adolescência. Usufrui-a.

* Da R. mais crescida.


Hi, 15 year-old R.

I wanted to write to you, above all because I miss you. You don’t know me, and if you’ve met me on the street, you wouldn’t even identify yourself. Besides the curly hair and the bad temper, I don’t keep much from you. Not because I don’t respect you; but because I’m not built of the substance of dreams that carries you on.

Stay safe in the school to where you’ve just transferred. The other students won’t immediately be nice to you, because you come from a city that they don’t even want to talk about. Don’t worry if you have to be alone during the breaks of the first term. Your colleagues will be watching you, and one day one of them will invite you to join his group. Within no time you’ll be friends with lots of beautiful people, and you’ll be invited to their parties. Within two years you will be vice president of the Students Association, and you’ll become an important pawn in boosting the students in the school context. You'll always be proud of that.

You'll start being interested in grunge guys, with longer and more careful hair than yours. There is no harm in that. At that age everything is permitted, and some of these people are not really as sluggish as they seem.

Are you familiar to P., that guy you met on that bar where you like to go on Friday nights? He’s going to become your best friend. Not now, but within 5 years you won’t give a step in your life without asking for his opinion. You'll build a complicity with him that only few people have the chance to know. You'll have the cooler and more hallucinatory moments with him. You'll call him occasionally at dawn for him to go offer his shoulder for you to cry. You’re gonna ask him for advice about guys, and you'll always discuss with him because he doesn’t give you the answers you really want to hear. The same will happen in reverse. Between detective games and lots of conversations about serious issues -- or others not so much -- you’ll be happy together, without major mutual demands.

Unfortunately this will not last forever and an aneurysm in the best chapter of P. will take the better over his life and your friendship. You won’t know how to deal with it. But do not worry: he’s going to leave you with someone, and you will start believing that somewhere he continues preserving your happiness. What am I talking about? About a cute green-eyed boy he’ll introduce you. This guy is not gonna show you much interest initially, and it won’t be before the second year after P.’s death that you two will meet and fall in love. Later he will ask you to marry him.

Don’t you believe it? I know that you don’t picture yourself as an obedient to social canons, but you’re going to get married. People won’t believe when you announce it to them, and some will want to be on your wedding just to check with their own eyes something in which none of them believed. But easy: things are not really that straightforward. Before that, there will be a time when you’re going to be back to back to love. But don’t worry: as your mother always said, what is to thee shall come to you naturally.

You'll go to the college you want. Two years later you’ll see yourself forced to change to another university in a more developed city, just so you can get a job to continue your studies. You'll thrill you with the money at the end of the month and the course will be relegated to the background. You’ll be confused for a while and you’ll question all your decisions. You’ll soon learn that only the fittest survive in the working world. You won’t survive the first time, but you’ll gain strength to face other obstacles. Even if you don’t understand it immediately, all the less good times will be part of good life lessons. Enjoy them.

I know that nowadays you proclaim to everyone that you were born to be an aunt and that you don’t see yourself as a mother. The prophecy will be fulfilled: your niece will be born and you will love her enormously. But someday you'll wish she had been born through your inward. You’ll decide you're ready, and you want to be a mother after all. Things won’t be very good on this matter and you’ll blame yourself. Try to raise yourself the best way possible. I hope you do a better job in this area than I did. I wish I could say more, but notice: even older, I still don’t know nothing about it.

Don’t hold on to the little problems that steal your smile. There is nothing better than your adolescence. Enjoy it.

* From the older R.

38 comentários:

  1. Não me lembro da minha vida passada, mas se falasse com o meu eu anterior diria: "É melhor arranjares uma armadura, porque a tua vida será uma constante batalha..."

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    1. Seria uma mensagem guerreira, indubitavelmente. :-) Por acaso agora que falas nisso, eu podia ter dito à R. adolescente para arranjar um guarda-chuva, de modo a não se magoar quando lhe jogarem pedras.

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  2. mas que bela carta.
    Porque por vezes n acreditamos tanto em nos como deviamos.

    Bjs*
    http://se-tu-saltas-eu-salto.blogspot.pt/

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    1. Obrigada, Kátia. Por acaso aos 15 anos eu acreditava mais, confesso. Mas lá está, na altura toda eu era sonhos.

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  3. Então a coisa acabou por correr mais ou menos bem, não é? Se eu escrevesse uma carta dessas, diria para não ser parva, para fazer em vez de adiar e para não me consumir tanto com pessoas que não merecem. :)

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    1. Não sei se correu bem, se mal, Wallis. Acho mesmo é que fiquei totalmente desviada do caminho que eu na altura almejava. :-//
      O que adiaste que devias ter feito? Any regrets?

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    2. Principalmente dar tempo de antena e coração a quem não merecia. :)

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    3. Não te arrependas disso, Wallis. Acontece a todos, não? Pelo menos comigo ocorre com maior cadência do que aconselhável. Mas fazer o quê? Fechar o coração a sete chaves? Talvez custasse mais. Pois se algumas pessoas não o merecem, aparece sempre uma ou outra que fazem com que a entrega valha a pena. :-)

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    4. Ah, podes crer. É uma espécie de lei da compensação ;)

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    5. Mesmo que não seja equilibrada. Diria que em cada 10 pax, só uma vale a pena conhecer. :-D

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    1. Obrigada, Opinante. Nostálgica como eu, só podia sair assim uma coisa, a puxar pela lágrima mesmo às pedras da calçada. :-D

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  5. O problema de hoje é que estes adolescentes já não a vivem como antigamente eu a vivi ou tu.
    Linda carta. lindo texto, bela mensagem, boas recordações!

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    1. Penso que buscam outras coisas, Vivi, mas infelizmente parece que se detêm na incessante busca da aprovação do outro. Isso nota-se nos seus perfis nas redes sociais, por exemplo. Obrigada pelos #lindos# todos. :-)

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  6. Ainda à uns tempos fiz uma carta ao meu eu passado.
    É giro os conselhos que se dão e era bom que naquela altura soubessemos o que sabemos agora =)

    Muito bom texto.

    Beijocas

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    1. Eu costumo dizer que adorava ter novamente 15 anos, e saber exactamente o que sabia na altura. Ser um bocadinho naïf não é pejorativo de forma nenhuma. Por vezes, saber demais é mau... demais. :-)

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  7. Exercício fenomenal.
    Um dia tenho de experimentar fazer o mesmo.
    Mas olha que fiquei aqui de lágrima no canto do olho. :)

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    1. Se fores melancólica como eu, Analog, é natural. E eu tenho muiiiiiiiiiiiiiiiiitas saudades do tempo em que o meu maior problema eram os meus bad hair days, ou ter a minha camisola preferida no cesto da roupa ainda por lavar. ;-)

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    2. Melancólica, saudosista...you name it... :)
      Tenho mesmo de experimentar. Depois vou ficar neurótica, mas acho que vale a pena! :)

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    3. ...ficas neurótica, nada. :-D Eu gostei imenso de me sentar um bocadinho a puxar pela cabeça e a pensar no que queria dizer ao meu "eu" com 15 anos. Se me senti arrepiada? Várias vezes. Sobretudo a lembrar o P. Mas guardo recordações tão boas... Fico à espera para ler as tuas. ;-)

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  8. R., adorei ler isto! Trouxe-me de volta os meus 15 anos...que longe eles estão, mas ao mesmo tempo tão presentes, de vez em quando. Para além dos caracóis, hoje uma cabeleira mais do tipo palha-de-aço, também tive um grande amigo, meu colega de carteira. Também nos tornamos inseparáveis e muito cúmplices, apenas até ao fim do secundário, porque depois seguimos caminhos muito diferentes.
    Que pena que o teu amigo tivesse de desaparecer tão cedo...
    Quanto ao resto, eh pá, eu só cheguei a delegada de turma... :-)
    Quem sabe não escrevo também um dia sobre a minha adolescência...Roubo-te a ideia!

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    1. Laura, eu tive outros amigos-homem na escola. Mas com o P. foi diferente. Não nos cruzámos na escola, porque ele até tinha 5 anos de diferença de mim. Outros caminhos nos puseram no destino um do outro. Ele faleceu com 33 anos. E eu nunca mais me vou esquecer que quando ele apagou as 33 velas daquele aniversário disse «33, a idade que Deus fez; tenho de aproveitar, porque Cristo não passou disto». Eu sei que ele não adivinhava o que lhe ia acontecer, e se adivinhasse tinha gozado ainda melhor aquele ano. Tenho muitas saudades dele. Ele levou no seu caixão uma grande parte do meu sorriso. E perceber que o que nos separa da morte é uma linha ténue, fez-me ter ainda mais sede de viver. (Quanto à ideia, leva-a, é tua. Já mais pessoas publicaram cartas ao passado, por isso a ideia já não é de ninguém.)

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    2. Por isso devemos aproveitar ao máximo cada dia da nossa vida. Se a vida mesmo quando longa, acaba sempre por ser tão curta...
      Levo a ideia e vou pô-la a germinar.

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    3. Sabes que o P. dizia isso mesmo? Ele tinha pressa de viver, quase como se soubesse que tudo iria acabar para ele cedo demais. Ganhei isso dele. Por vezes tenho sede de aproveitar o "hoje" ao máximo, e nem sempre os que me rodeiam entendem esta pressa.
      Vê lá se não te demoras na germinação, que eu quero ler isso em breve. ;-)

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  9. Que lindo R, que linda historia de amor a vossa.
    Eu não me lembro da minha adolescência, pelo menos das coisas boas que é o que realmente importa, mas fiquei emocionada ao ler o que escreveste sobre ti .
    Beijinhos

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    1. Foi uma linda história de amorizade, sim. E ao contrário de ti, eu só recordo das coisas boas da altura. Mesmo daquelas que eu julgava que eram más, mas que hoje lembro com muita nostalgia.

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  10. :') Tão mas TÃO bonita a tua carta... Éramos tão diferentes aos 15 anos [suspiro] Eu acho que a R. crescida cresceu muito bem e é um ser humano cativante. Um brinde às duas!

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    1. Obrigada, Ana ✈. Confesso que a tive de encurtar, estava mais "testamental".
      Então éramos diferentes porquê? Gostavas de betinhos? :-D
      Obrigada pela adjectivação. Fico contente por isso.

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    2. :) O "éramos tão diferentes" não era nesse sentido. Quis dizer que também era muito diferente aos 15 anos daquilo que sou agora ;)Para mim foi um período muito conturbado e pouco feliz.

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    3. Então porquê, Ana? Eu olho para a minha adolescência de uma forma muito saudável e saudosista. Dou graças a Deus pelos pais que tive, e por me terem dado a melhor formação como pessoa possível. Passei pelas minhas fases, claro, e se perguntares à minha mãe, ela vai dizer que a menina dela se transformou aos 16 anos. :-P E fico sempre a pensar que as outras pessoas também recordam esta data do mesmo modo.

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    4. Para te ser sincera a minha foi tão má que algumas partes significativas foram varridas da memória :/ sao mesmo um vazio, do género de eu olhar para fotografias onde estou e nao me lembrar minimamente de ter estado ali nem de ter conhecido algumas pessoas. Deve ser o que se chama memória selectiva.
      Basicamente a minha adolescência foi má porque fui educada com mão de ferro e rédea curtíssima e na escola sofri o que hoje se chama bullying (na altura era algo normal).
      Resumindo e concluindo, as saudades sao nulas ;)

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    5. Eu recordo-me do bullying ser normal. Nós é que apanhávamos uns carolos, e nã corríamos a fazer queixinhas para casa. E os papás não nos davam sempre razão, e ainda bem.

      Felizmente que nunca passei por isso. Como sempre fui pessoa vincada, normalmente ninguém fazia farinha comigo, senão saiam amassados. E até me lembro de nos ciclo preparatório sair em defesa de um ou outra colega que era mais gozado e abusado. Havia o Manuel Joaquim que era gordo (prova de que uma desgraça nunca vem só, porque só o nome já lhe valia os tons jocosos :-P): sempre que os meus colegas lhe batiam, eu puxava-lhes os cabelos. Houve uma altura em que os rapazes da minha turma combinaram e raparam todos o cabelo. Foi quando aprendi a puxar com o nó dos dedos... :-D

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  11. A R. de 15 anos pode não ter quem lhe dissesse tudo isto antes, mas cresceu e cresceu bem e de certeza que a R. crescida se orgulha muito de ser quem é!!! E daqui a uns anos, a R. mais crescida vai ler isto e vai pensar "eu sou uma mulher com "M" grande" :)

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    1. Obrigada, NTW. Não sei se sou mulher de "M" grande. Mas tento pelo menos ser um ser-humano alerta dos seus calcanhares de Aquiles, de modo a superar-me um bocadinho todos os dias. Não tenho pretensões de ser melhor do que ninguém. Mas espero amanhã ser melhor do que aquilo que sou hoje. :-) Assim surpreendo-me sempre, e fujo da [maldita] rotina.

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