Ele amava-a, mas ela não sabia. Viam-se todos os dias no comboio, e pousavam demoradamente o olhar um no outro. Não sorriam, e as expressões faciais não eram fáceis de ler. Ela entrava na estação da Cruz Quebrada, ele já vinha de trás. Ela não conseguia perceber de onde, mas a sua origem pouco lhe importava; o destino era o mesmo. Ela saciava o seu velho hábito de leitura, fazendo-se acompanhar por russos e suecos, norte-americanos ou espanhóis. Ele distraía-se com um tablet onde escorregavam os seus dedos, e de quando em vez erguia o olhar para se cruzar propositadamente com o dela. Não importava que houvesse pessoas de pé, a interpor-se na sua direcção: eles já conseguiam ver-se através da opacidade. Ele queria saber mais dela, para lá da cor dos olhos, da rebeldia dos caracóis e do eclecticismo dos livros. Ela montava puzzles com o intuito de construir a história dele: vestia um fato cuidado, sinal de emprego sério; ostentava gravatas impecáveis, sinal de estatuto; carregava uma mala de pele preta de marca cara, sinal de opulência. Ele esforçava-se para perceber qual seria a agenda dela em cada dia. Ela imaginava que ele teria uma agenda preenchida. Saltavam ambos para fora do comboio no Cais do Sodré. Se saísse primeiro da carruagem, ele pousava a mala e fingia um gesto faustoso, apenas com o desígnio de se deter junto às máquinas dispensadoras dos bilhetes, enquanto a apreciava no seu frenesi diário. Ela corria até à porta que dava acesso à rua, e no final voltava o rosto para o ver uma última vez naquele dia. Todos os dias ela tinha medo que aquela fosse a última de sempre. Quando ela voltava o rosto, a sua boca estava ligeiramente aberta, lábios tensos. Uma mecha de cabelo cobria-lhe superficialmente a face, e sombreava o brilho intenso do olhar. Ela não sabia, mas aquele era o ponto alto do dia dele: quando ela não se esforçava para ser bonita, ele via-a como o supra-sumo de tudo o que é belo. Ela lia-lhe charme e sentia-se atraída pelo seu ar enigmático, emoldurado por cabelos fartos, a fugir para o grisalho. Ela amava-o, mas ele não sabia.
He loved her, but she did not know. They saw each other in the train every day and laid down the look at each other at length. They didn’t smile, and the facial expressions were not easy to read. She entered in the Cruz Quebrada station; he came from somewhere back. She could not tell from where, but his origin mattered little; their destiny was the same. She sated her old habit of reading, being accompanied by the Russians and the Swedes, the North Americans and the Spaniards. He amused himself with a tablet in which their fingers slipped; now and then he lifted his gaze to cross with hers on purpose. They never minded people standing, just like obstacles on their direction: they could see each other already through opacity. He wanted to know her better, beyond her eye color, the rebellion of her curls and the eclecticism of her books. She rode puzzles in order to build his story: he wore a neat suit, sign of a serious job; he flaunted stylish ties, sign of status; he carried a black leather handbag of an expensive trade mark, sign of opulence. He struggled to understand what would be her schedule of the day. She imagined that he would have a busy schedule. Both jumped out of the train at Cais do Sodré. If he left the carriage first, he rested his handbag and pretended a stately gesture, only with the purpose of stopping next to the ticket vending machines, while appreciating her daily frenzy. She ran to the door leading to the street, and at the end she would turn to see him one last time that day. Every day she was afraid that that was the last time ever. When she turned her face, her mouth was slightly open, her lips tight. A strand of hair covered her face slightly, and shadowed her look. She didn’t know, but that was the high point of his day: when she did not strive to be beautiful, he saw her as the pinnacle of all that was beautiful. She read charm in him and was attracted by his enigmatic appearance, framed by filled and almost gray hair. She loved him, but he did not know.
Os transportes públicos sao o maior cenário dos amores platónicos :)
ResponderEliminarSão, não são? São um espaço tão profícuo em subhistórias. É do que mais sinto saudades. Nos caminhos que faço no meu dia-a-dia não tenho a opção de transportes, mas gostava. Também deves topar umas coisa no ar, não, Ana?
EliminarNo ar nem tanto, nao ha aquela coisa do "amanha a' mesma hora" ;) Eu trabalhava no Terreiro do Paço e fazia uns 45 min de autocarro todos os dias a ouvir música... Que saudades!
EliminarQuanto a outro assunto, envia-me a tua morada por email (notsomarvelouslife@gmail.com). Vou mandar um postal mas para o Sebastiao e para a.Rafa :D
E então? O final da história é esse? Fiquei frustrada. Nem uma "esperançazinha" de uma reviravolta, tipo, ele tinha colocado um telemóvel na mala dela sem ela dar por isso, e ligou para ela ao final do dia, um encontro à beira mar, na praia sobre um tapete de pétalas de rosa, e foram felizes para sempre? Não? Nada disso? :( Snif, snif...
ResponderEliminarÓ Doyle, as minhas histórias são como a vida real: não têm sempre final feliz. Mas vá, se o meu imaginário me levar para esta carruagem de comboio de novo, eu recupero os personagens e dou-lhes um final. Mas eu não mando nisto.
EliminarFez-me recordar as minhas viagens diárias do 12º ano,entre Lagos e Portimão.Há tantos anos! Também entrava no comboio alguém que me suscitava o interesse, eu olhava muito para ele, e acho que só por isso ele olharia para mim, mas eu não o amava, achava simplesmente que poderia vir a amá-lo. Mas ele um dia desapareceu de vez e tive de dirigir o meu olhar noutra direcção....:-)
ResponderEliminarÓ Laura, que pena. É triste quando nunca ficamos a saber como seria se... É pena que a vida tenha apenas um caminho, porque sempre nos vamos perguntar como seria se seguíssemos outro trilho.
EliminarPois é, mas eu acho que a vida acabará sempre por ser o que tinha que ser... sei lá!
EliminarSei de uma amor assim ...mas com um final feliz! :)
ResponderEliminarBeijinhos e vamos lá a terminar a história ... :)
Podias ter contado, Isa.
EliminarGosto muito disto :) curiosa para conhecer o proximo capitulo.
ResponderEliminarComo disse em cima: se o imaginário me levar à carruagem de novo, eu escrevo. :-)
Eliminarmas que bela história de amor =D
ResponderEliminarbjs*
http://se-tu-saltas-eu-salto.blogspot.pt/
Para mim o desencontro tem muito pouco de belo. :-S
EliminarAmo essa simplicidade. A beleza está nos detalhes daqueles que amamos.
ResponderEliminarNa boca semi-aberta e na mecha solta de cabelo. :-D
EliminarQue história bonita =)
ResponderEliminarComo disse em cima, não acho que o desencontro seja bonito, embora por vezes inevitável. :-(
EliminarOra bolas, termina assim, quero mais mais mais!
ResponderEliminarVamos a ver o que o futuro reserva aos personagens. ;-)
EliminarJá tive uma paixão destas... nunca tive coragem de lhe falar.. :(
ResponderEliminarComo é que um rapaz tão decidido deixa por fazer algo tão essencial, hein, Mustache? O que é que aconteceu à miúda? Não era a ovelha da tua primeira vez, pois não? :-D
EliminarEste comentário foi removido pelo autor.
EliminarNem sempre fui um rapaz decidido, e ainda hoje, não o sou no que diz respeito a estas coisas.. Sou até bastante timido e tenho sempre pouca à vontade quando estou na presença de uma menina, ainda para mais quando é gira e até sinto tremeliques por ela..
EliminarSou aquele tipo de rapaz que na hora H fica calado, e depois no caminho para casa, pensa em todas as coisas inteligentes e interessantes que podia ter dito..
Ando a ver se melhoro neste aspeto, só me resta alguém com quem treinar.. :)
(comentário anterior eliminado porque tava cheio de erros! deve ser das horas..)
E podemos acrescentar ao desencontro no encontro, mais um encontro???
ResponderEliminarAdorei!
Bjs
Maria
Maria, nesta coisa das histórias, nunca sei para onde vou quando as escrevo. Mas vá, como já várias pessoas pediram, talvez consiga voltar à carruagem e dar um encontro diferente aos personagens. ;-)
EliminarSabes R Sou adepto destes finais sem final.
ResponderEliminarEstas vivências, na sua grande maioria, devem ficar onde nascem, neste caso no comboio, no facto de ela não saber de onde ele vêm e de nada saberem um do outro. Eu uso essa linha e tantas vezes dou por mim a imaginar o que certa pessoa, que já conheço do comboio, faz. Que música estará a ouvir? o livro será bom? com quem troca tantas mensagens?
Ao mesmo tempo que faço estas questões quero que não sejam respondidas. Assim mantenho o mistério que me alimentou e me irá alimentar. É uma sensação óptima.
Esse é um grande problema. Queremos sempre saber tudo. A verdade. Quando na verdade, a verdade é quase sempre uma mentira.
Aiii, adorei!
ResponderEliminarFaz-me lembrar alguém....
Beijocas
Olá!
ResponderEliminarSó para vos avisar que já há uma página Facebook SammyDress Portugal!
Começou na semana passada, estamos à espera de ter mais "Gostos" para começar
com os passatempos e ofertas.
Por isso, já sabes, Gosta e Partilha!
É tudo em português! Espero que gostem.
https://www.facebook.com/SammydressPortugal
Ana
SammyDress Portugal
Gostei do texto, levou o meu imaginário a viver aquela história.
ResponderEliminarBeijinhos