7 de março de 2013

Ficcionismo Pessoano | Pessoan Fictionism

Se Pessoa tivesse um blog chamar-se-ia «Eu nos outros» ou «Os outros em mim». O blog teria como temas a vida, o amor e a ventura, e o seu principal seguidor seria Mário de Sá-Carneiro. Almada Negreiros abriria uma conta no GMail só para o poder comentar. Ofeliazinha lê-lo-ia enamorada, encontrando em cada palavra o conforto emocional que apagasse o ímpeto insaciável com que ele a deixaria em encontros pessoais.

Se Pessoa tivesse um blog escreveria sobre como os astros comandavam a sua vida e atrasar-se-ia na resposta aos comentários. Convidaria Alexander Search para traduzir as suas postagens em Inglês. Álvaro de Campos seria activo postador para preencher os dias vazios de emprego, e escreveria sobre o opiário oriental. Teria mulheres histéricas como comentadoras, e sentir-se-ia enlouquecido de prazer. Ricardo Reis aceitaria ser intruso no blog, e enviaria sobretudo crónicas do Brasil, e exercícios de auto-conhecimento e estoicismo. Caeiro, homem simples e de pouca instrução, teria dificuldades em criar o seu perfil no blogger, e apareceria apenas de quando em vez, nos dias em que o frio o impedisse de sair com o rebanho. Bernardo Soares seria também desafiado a ser membro, e após meses de pragmatismo renunciante, aceitaria com algo a acrescentar. Escreveria fragmentos quotidianos, e eu ansiaria pelos dias em que decidisse brindar-me com a sua presença. Clarinha pediria a Pessoa que digitalizasse os seus desenhos de flores, e Ivo Vieira seria activo homossexual em referências fálicas. Érica Carina, eterna antítese deste último, apareceria uma só vez para nos oferecer a sua morada e seus préstimos, e Aurélio dos Anjos viria dar conselhos sobre a intolerância à lactose e a demolha de bacalhau.

Se Pessoa tivesse um blog sentar-se-ia com o seu notepad à mesa d’A Brasileira, e dactilografaria com a mão direita, enquanto a esquerda ergueria o chapéu em jeito de cumprimento às transeuntes apressadas. Olhá-lo-íamos em desdém, fraca figura de estranheza, ignorando a inquestionável genialidade que haveria de oferecer à humanidade. Se Pessoa tivesse um blog o seu arquivo chamar-se-ia “A Arca”, e a sua última postagem diria apenas «I know not what tomorrow will bring».



If Pessoa had a blog it would be called «Me in the others» or «The others in me». The themes of the blog would be life, love and chance, and his main follower would be Mário de Sá-Carneiro. Almada Negreiros would open a GMail account just to be able to comment. Ofeliazinha would read it in love, finding in each word the emotional comfort to erase the insatiable urge which was left in her after personal encounters.

If Pessoa had a blog he would write about how stars would impel his life, and he would be late answering to its comments. He would invite Alexander Search to translate his posts in English. Álvaro de Campos would be active playwright, so he could fill in his days without a job, and he would write mainly about his trip to orient. He would have hysterical women commenting, and he’d feel mad with pleasure. Ricardo Reis would accept to be an intruder in the blog, and he would mainly send chronics from Brazil, and exercises of self-knowledge and stoicism. Caeiro, a simple man with little education, would find it difficult creating a blogger profile, and would only show up from time to time, in the days when cold prevented him from leaving with the flock. Bernardo Soares would also be challenged to become a member, and after months of resigning pragmatism, would accept with something else to offer. He would write fragments of his daily life, and I’d long for the days in which he’d offer me the pleasure of his presence. Clarinha would request that Pessoa digitalized her flower draws, and Ivo Vieira would be active making phallic references. Érica Carina, eternal antithesis of the latter, would only show up once to offer us her address and her subservience, and Aurélio dos Anjos would come to give advices about lactose intolerance and cod soaking.

If Pessoa had a blog he would seat with his notepad on a table in A Brasileira and type with his right hand, while the left would lift his hat greeting the passersby. We would look at him with disdain, given his weak figure of strangeness, ignoring the unquestionable geniality he would offer humanity.

If Pessoa had a blog his archive would be called “The Ark”, and his last post would only say «I know not what tomorrow will bring».

22 comentários:

  1. Adorei este teu post. Gosto muito de Pessoa e dos seus heterónimos :)

    ResponderEliminar
  2. Adoro Fernando Pessoa e adorei este teu ponto de vista! Muito bom mesmo!

    ResponderEliminar
  3. Tenho a missão de, acabando Saramago, conhecer a genialidade do Pessoa. Não falta muito.
    Realmente, como seriam estas pessoas nos nossos dias? pergunto-me algumas vezes se teriam a mesma oportunidade de escreverem como escreveram.
    Óptimo texto. Óptimo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Oh Diogo, quanto tempo tens? Sou fã deste grande senhor desde a minha adolescência, e por mais anos que passem, às vezes ele ainda se me afigura um mistério. Gostei que tivesses gostado.

      Eliminar
    2. Tenho a vida inteira, ora :)
      Eh pah deixa-me terminar o outro génio mais contemporâneo Saramago que depois me entrego ao Pessoa.
      Por achas que devo começar?
      Claro está após ler sobre a sua pessoa.

      Eliminar
    3. Começa por ler «Fernando Pessoa - uma quase-autobiografia» de José Paulo Cavalcanti Filho (um brasileiro que parece saber mais do nosso português, do que muitos estudiosos pessoanos neste país à beira-mar plantado). É tão, mas tão real... Depois de conheceres alguns dos seus melhores poemas assinados com o seu próprio nome, parte para os heterónimos. Os meus preferidos são Ricardo Reis e Bernardo Soares, porque escrevem e aprofundam temas com que me identifico, mas tudo é subjectivo nesta matéria.

      Eliminar
    4. Em Saramago tive a sorte de encontrar uma bibliotwcaria que me iniciou de forma a que continuasse, sinto o mesmo nesta tua sugestão. Só acabar os dois livros do Cossery e entrego-me a essa quase auto-biografia.

      Eliminar
    5. Prepara-te, a viagem por Pessoa é das mais alucinantes. E continuo a reforçar a ideia de que, apesar de ser fã há imenso tempo, continuo a surpreender-me com as coisas que vou descobrindo. É com ele que ganho o orgulho de ser tuga: qual Dostoiévski, qual Tolstói, qual James Joyce... O mestre da literatura é nosso. (E o segundo também, esse grande Camões.)

      Eliminar
  4. Adorei este texto! Pena que na altura do Pessoa ainda não existissem estas tecnologias, ia ser uma coisa engraçada :b

    ResponderEliminar
  5. Gosto muito do Pessoa! Uma das coisas que mais gostei de estudar, no secundário!

    ResponderEliminar
  6. eu iria amar se Pessoa tivesse um blog :)

    ResponderEliminar
  7. LOOOOOOOOL amei! Se pessoa tivesse blog, criaria muitos emails para se comentar a si próprio ahah estou a brincar.
    Esta semana tive de fzr os trabalhos de português à minha irmã porque ela estava doente e, revi os poemas do Nandinho, que saudades!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Por acaso tenho pena de não ter tido essa ideia quando escrevi o texto. Porque ele realmente capaz de criar novas contas de e-mail em nome dos heterónimos para "se ir" comentando. :-)

      Eliminar
  8. Se Pessoa tivesse um blog eu seria seguidora e leitora dele diariamente, comentaria com paixão e não me escaparia nem uma entrelinha.

    Adorei este post.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada, Vera. Fico contente com a repercussão que ele teve. :-)

      Eliminar
  9. Seria o blogue mais delicioso de todos. Com muitas personalidades, múltiplas caras, mas sempre talentoso.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Seria mesmo? Por acaso penso que não. De um modo geral as pessoas evitam as coisas com mais conteúdo, não percebo porquê.

      Eliminar
  10. Tão bom que era... E a tua descrição tornou-o possível por uns minutos :) Será que o grande FPessoa manteria a sua genialidade se fosse esta a sua época?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É difícil de prever, Ana, realmente. Até porque nos dias que correm as solicitações são tantas, e um anti-social como ele talvez sofresse de bullying dos que o circundassem. Génio, seria sempre. Se nos deixava o mesmo espólio, já é de desconfiar. Eu, por minha vez, tenho o vago sonho de renascer nos boémios anos 20/30 e sentar-me com ele à mesa d'A Brasileira. Sempre achei que podíamos ser amigos. :-P

      Eliminar