9 de março de 2013

Eu ou um velho apeadeiro | Me or an old halt

Acordei hoje com uma enorme sensação de impotência. Há dias assim! Os cheiros, as cores, as texturas, os sabores… Tudo parecia tão enraizado, tão impossível de ser transformado. Nem tentei lutar contra o improvável. Saí!

O cabelo desgrenhado caía desajeitadamente sobre os ombros. As roupas velhas tresandavam a mofo. Aos sapatos gastos não era oferecido qualquer atrito pelas pedras da calçada. Passo após passo, conduzida pelo instinto, fui seguindo na direcção das respostas às minhas perguntas. Não posso afirmar tê-las encontrado, mas quando reparei naquela estação velha, a perder o estatuto para um simples apeadeiro, uma força estranha impeliu-me a descobrir-lhe o interior.

Lá dentro vi velhos que esperavam o fim dos seus dias. Sentados, conversavam sobre tudo e sobre nada. Riam em atitude despreocupada, pois estes vivem já com o descrédito no dia de amanhã. Já não acreditam que um dia melhor virá! Consegui ver para lá do que me foi permitido ver. Cada ruga fazia-me adivinhar o peso do mundo carregado para lá do olhar. Não evitei que uma ou duas lágrimas caíssem.

Saí daquela sala de espera feia, escura e com cheiro impregnado de urina, para vir descobrir os trilhos gastos. Os bancos de madeira estavam velhos e pouco seguros. Ainda assim não hesitei em ocupar o único que estava vazio. Antes de me sentar raspei um fósforo na parede até que este incendiasse de amarelo-fogo. Este foi um gesto demorado. Só depois percebi porquê: as paredes estavam cobertas com azulejos que mostravam costumes de antigamente. Por uns segundos desejei ter vivido nos dias de ontem. Os de hoje são demasiado ingratos. Infelizes as gerações vindouras…

Acendi o cigarro, olhei à minha volta, e detive o olhar num casal de adolescentes que namorava às escondidas, atrás de uma carruagem ferrugenta e abandonada. Não impedi que uma gargalhada cúmplice fosse solta dos meus lábios em direcção aos seus ouvidos. Aperceberam-se da presença de olhares alheios e correram de mãos dadas.

Sentei-me. Não tardou que aparecesse um comboio velho que transportava pessoas velhas. Detive-me naquele lugar todo o dia. Vi o comboio transportar a mesma carruagem inúmeras vezes. Durante tantas horas, o comboio percorreu o mesmo trilho, como se não pudesse mudar a sua rota.

Então levantei-me e caminhei em direcção a casa. Havia encontrado possíveis respostas:

* Os velhos personificam o meu ego naqueles dias em que só me apetece desaparecer, nos dias em que até respirar é um exercício pesado, nos dias em que grito aos 4 ventos que não desejo mais viver. * Os azulejos pintam a enorme vontade que me inunda mais vezes do que seria de desejar de voltar ao passado e lá viver; é o mais inconsciente desejo de voltar à infância quando tudo era tão simples como contas de somar 2 + 2 = 4.

* O casal apaixonado é um retrato do meu imo naqueles dias em que me encontro em inexplicável êxtase. Sou eu com uma enorme vontade de virar os meus dias ao contrário e viver a vida dos que sorriem.

* O comboio foi a imagem que me tirou do estado de inércia: aquela carruagem sou eu, insistindo trilhar os mesmos caminhos, desiludindo-me quando não encontro algo de novo. Mas esta carruagem pode ainda decidir mudar de rota!

Agora percebo: tenho de me libertar das cordas que me detêm na busca do sorriso perdido. Tenho de seguir uma estrada diferente da que piso…


Today I woke up with an overwhelming sense of powerlessness. There are days like this! The odors, the colors, the textures, the flavors… Everything seemed so rooted, so impossible of being transformed. I didn’t even bother to fight against the improbable. I went out!

The shaggy hair fell awkwardly on my shoulders. The old clothes stank of mold. The worn shoes were not offered any friction by the paving stones. Step by step, driven by the instinct, I went straight to the answers of my questions. I cannot claim to have found them, but when I noticed that old train station, loosing status to a simple halt, a strange strength impelled me to discover its inner.

Inside I say old people waiting for the end of his days. Seated, they talk about everything and about nothing at all. They laugh with a carefree attitude, because they already live with disrepute on tomorrows. They don’t believe anymore that a better day will come! I managed to see beyond what I was allowed to see. Each wrinkle made me guess the weight of the world loaded beyond their look. I did not that I avoid one or two tears from falling.

I left that ugly, dark space, impregnated with the smell of urine, to come discover the shabby rails. The wooden benches were old and unsafe. Even so I did not hesitate to occupy the one that was empty. Before sitting down, I scraped a match on the wall until it burned down in yellow-fire. This was a slow act. I only understood why then: the walls were covered with tiles depicting ancient costumes. For a while I wished I had lived in the days of yesterday. Those of today are too ungrateful. Unfortunate are the future generations…

I lit a cigarette, looked around, and stopped to stare a couple of teenagers who was secretly dating behind a rusty and abandoned chariot. I did not stop an accomplice laughter leaving my lips towards their ears. They became aware of the presence of unfamiliar looks and ran hand in hand.

I sat. It didn’t take long to appear an old train carrying old people. I stood there all day. I saw the train carrying that same carriage numerous times. The train travelled the same path during lots of hours, as if it could not change his route.

Then I got up and walked towards home. I may have found possible answers:

* The old people personify my ego on those days when I just want to disappear, on the days when even breathing is a heavy exercise, the days I scream I do not wish to live anymore.

* The tiles paint the urge need that floods me more times than I would want to, to go back and live in the past; it is the most unconscious desire to return to my childhood, when everything was as simple as two plus two equals four.

* The couple in love is a picture of my inner self on those days when I find myself in an unspeakable ecstasy. It is me with a huge desire to turn my days around and live the life of the ones that smile.

* The train was the picture that got me out of a state of inertia: that carriage is me, insisting on treading the same paths, disillusioning myself when I don’t find something new. But this carriage can still decide to change the route!

I understand now: I have to get rid of the strings that hold my search for the lost smile. I have to follow a different road from the one I step on…

17 comentários:

  1. Texto maravilhoso R.
    É muito fácil encontrar-me em algumas palavras. Mas há sempre um amanhã, com um rumo potencialmente diferente. E risonho!

    Adorei.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, a vida é uma montanha-russa, e nem sempre estamos por cima. :-)

      Eliminar
  2. Brutal! Escreves lindamente e com sentimento!

    ResponderEliminar
  3. E escreveres um livro. Se é que já não existe e eu vou querer saber onde o poderei comprar.
    Ou melhor, poderias escrever um caderninho, quem sabe moleskine, com esses pequenos contos, textos mas manuscrito. Nao sei se este conceito existe mas acho que valorizava a edição juntando os sujeitos escritor e leitor num ponto tão próximo quanto possível.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Oh Diogo, fiquei com um sorriso de orelha a orelha. :-) Obrigada... Mas infelizmente não, não existe esse livro, e tenho o sonho de que possa vir a existir. E gostei imenso da ideia de apresentação. Seria deveras original.

      Eliminar
    2. Compra um bloco, escreves,pedes uma ilustração do caderno moleskine, que há muita gente a fazê-lo e bem por aqui:D, dás a conhecer a ideia, calculas um valor.

      Eliminar
    3. Agora já só falta escrever mais e melhor. O ritmo de produção ainda está lento. E não tenho cá interesses em escrever à Nicholas Sparks ou MRP, só para encher páginas, que é como quem diz "encher chouriços". Nem que eu seja como Marái: que espere o sucesso no fim dos meus dias, me suicide depois dos 80 porque ninguém liga nada aos meus livros, e após a minha morte reconheçam que eu era um génio! :-P

      Eliminar
    4. Podes sempre criar o livro como o Cossery, uma frase por dia, deu em oito livros em vida. Vai devagar com a certeza que o produzido vem do coração. Os que até agora divulgaste servem na perfeição.
      Faz isso R. Acho que todos os que escrevemos nesta caixinha gostaríamos de ter um.

      Eliminar
    5. Não conhecia esse exemplo, mas não funciona ao meu ritmo. Porque comigo a coisa é assim: nos dias que correm bem, escrevo que me farto, sem parar, a deixar as mãos e as personagens levarem-me para onde quiserem. Nos outros dias, escrevo sobre como odeio o meu chefe... e pronto, não dá para mais. :-(

      Eliminar
    6. Que vá o chefe
      Que fiquem as personagens
      Porque a vida, a vida
      São essas viagens

      Pumba mais uma rima.

      Eliminar
    7. Uiii, apanhaste-me desprevenida. :-)

      Eliminar
  4. O texto está muito bonito :)

    http://deverasoriginal.blogspot.pt/

    ResponderEliminar
  5. Respostas
    1. Quando é bom, é bom. Florear para quê? Bom, diz tudo...ok, muito bom.

      Eliminar
    2. Espectacularmente bom é melhor, certo?

      Eliminar